" Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção"- Paulo Freire, o grande educador brasileiro.
Ensinar é uma vocação. É uma profissão inspiradora. E foi a profissão que escolhi para a minha vida. Nela batalhei por quase quarenta anos e nunca me arrependi de ter sido professora.
A foto ao lado👈 é do final de 1952, quando me formei em Ipameri, Goiás. E no ano seguinte já lecionava no Grupo Escolar Eugênio Jardim, em Rio Verde, minha cidade natal. E, a partir daquele ano, 1953, até 1991, data da minha aposentadoria, fiz minha história nas salas de aulas de muitas cidades por este Brasil afora, até chegar a Brasília, onde me aposentei, e onde resido até hoje.
Professores passam por nós em diferentes momentos e, muitas vezes, são responsáveis por nos inspirar nas escolhas profissionais que fazemos. E a professora Lígia Maria Coelho Rebêlo foi a minha inspiradora no Ginásio Martins Borges, de 1947 a 1950. Na foto à esquerda, do ano 1948, dona Lígia e outros professores entre nós, parte de alunos da primeira turma. Professora Lígia é a senhora de cabelos pretos atrás de M. Afonsa e Terezinha, alunas da frente, lado direito.
Na segunda foto abaixo, dona Lígia está entre alguns ex-alunos, 50 anos após, ano 2000, em Goiânia, onde morava. Hoje é falecida. Os alunos Francisco Carvalho, Herman Lima e Lacy Barros, também moradores de Goiânia, foram os responsáveis pelo encontro. Eu, Gelva Costa e irmãos de Rubens Pimenta estivemos presentes. A turma toda amava dona Lígia... Herdei dela o amor pela Língua Portuguesa e me espelhei em seu carisma para me tornar uma professora não medíocre. Não sei se consegui ser um exemplo como dona Lígia foi para muita gente. Confesso que ela foi tão importante para mim que até sua logomarca, quer dizer, sua rubrica ao assinar nossas provas, eu tentei imitar e usar anos depois...veja à direita, nossas assinaturas e a rubrica de dona Lígia- LmcR. |
Rubrica LmcR |
A minha rubrica, anos depois ficou assim: MggD uma leve imitação de quem muito admirava...E hoje MggDias....Fiz o Curso Normal em Ipameri, Goiás, no Colégio Nossa Senhora Aparecida. Em Rio Verde, não havia curso normal desde que o Ginásio Martins Borges abriu suas portas em 1947. E agora apresento parte de minhas colegas de turma do Normal e de um tempo muito feliz da minha vida...Vejamos!
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Ano 1951 |
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Ano 1952 |
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Ano 1952 |
"As lindas normalistas ,vestidas de azul e branco, trazendo um sorriso franco...No rostinho encantador..." no jardim da cidade, antes das aulas. Aqui, à esquerda,
Lúpia de Faria, Lília Merheb, Glória Guimarães, Ivanilde, Teresinha, Aparecida Moreira e Erúbia .Na foto de 51, Lúpia, Lília, Glória e Teresinha Ribeiro. Ali abaixo👇 à esquerda:
Lília Merheb, Aparecida Moreira, eu atrás, Lúpia de Faria e Ivanilde. Bem na frente, Erúbia e Teresinha de Sousa. Na segunda foto de 52, Ubiracy Oliveira, Maria Hilma Ceva, Glória, Lília e Erúbia. Havia ainda Aparecida Marot, Lúpia, e Aparecida Moreira ausentes nesta foto.
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Ainda 1952 |
Aqui cabe uma explicação: Acredito que foi o destino que me encaminhou a Ipameri. Pois foi ali, justamente em 1951, que conheci o meu Tiba, companheiro de vida a dois por mais de 60 anos e incentivador da minha vida profissional.
Chegando o ano 1953, eu já era professora em Rio Verde. E foi no Grupo Escolar Eugênio Jardim, na rua Rui Barbosa, um prédio imponente, hoje reformado e que abriga parte da Universidade da cidade. Ali inicie minhas experiências na carreira que escolhi viver. Era diretora do grupo escolar a professora Dayse Carmo de Moraes. E várias professoras conhecidas foram colegas: Janeth Campos, Elza Macedo, Fiuquinha Leão, Teca Cunha, Gélcia do sr. Darlot, Luísa Araújo, Dalva Leão e irmã Luísa Leão, entre outras.
Recebi a classe do 4º ano que seria da professora Iracema Velasco, se não tivesse se aposentado aquele ano. E a classe foi o diferencial marcante na minha vida:
nunca fui alfabetizadora. Sempre trabalhei com alunos dos últimos anos do primeiro grau e com os do famoso
Admissão ao Ginásio. Nos três anos de grupo escolar foi assim: meninos e meninas de nove a doze anos, ávidos por aprender e deslanchar na vida foram
meus parceiros na empreitada.
Uma rica experiência vivemos: aprendemos juntos e realizamos muitas atividades também juntos. |
Turma do 4ºano- 1953 |
Ali, à direita, 👉 está a foto de um velho álbum organizado pela turma, cumprindo um projeto escolar orientado por mim. Cada aluno escrevia uma carta para um outro quartanista de uma escola do Estado de Goiás. Informava quem era e o objetivo da carta. Solicitava dados históricos e geográficos, fotos da cidade ou da escola. As crianças aprendiam como expedir uma carta e ficava responsável pela expedição via correios e por uma página do álbum quando a resposta chegasse. Assim era a mídia da época. As facilidades atuais de pesquisa e belas fotos do atual celular ou da Internet só viriam anos depois. Muito tempo depois... Nossas fotos eram de simples Kodak. Não tínhamos recursos visuais bons como os de hoje, de última geração. Nem fotos coloridas (veja álbum). No final, organizaram as fotos 3x4, de retratistas profissionais, Sinhozinho e Nello Guimarães, os da época, para fixar no álbum. E outras fotos de nossa simples câmera, com a professora pelas ruas e praças. |
Os quartanistas de 53 |
No final do ano, ganhei deles o álbum, conforme a dedicatória assinada pela aluna Leila Maria Bonifácio, na contracapa. Minha emoção foi tão grande em recebê-lo que não titubeei em levá-lo comigo. Veja ali acima, á direita 👆👉
Este álbum ficou comigo durante 68 anos. Daí o valor afetivo que me acompanhou. Durante esse tempo, ele me trouxe belas e doces lembranças. Agora, em julho de 2021, eu o repassei ao Colégio Estadual Eugênio Jardim. O grupo escolar não existe mais, ele cresceu. O progresso impõe outros caminhos. Que fique na biblioteca do Colégio. Lá é o seu lugar...
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Eu e eles-Praça 5 de Agosto |
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Amizade deles |
Continuado a minha História em fotos.
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De novo: eles e eu |
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Ainda os quartanistas de 53 |
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Ainda os quartanistas de 53 |
Continuando a minha história: atuei no grupo escolar até o ano 1956, quando me casei e saí de Rio Verde. Entretanto, durante o mesmo período, atuei no Ginásio Martins Borges, como professora de Português( dona Lígia se mudara para Goiânia), ao lado de alguns antigos mestres e outros novatos. Atuei também no curso noturno que o ginásio abrira como Curso Básico, preparatório para o curso de Contabilidade. E, junto com os padres Agostinianos da paróquia, os espanhóis Padre César Rodriguez Martinez e Padre Prudêncio Bonilha, educadores por natureza, conseguimos reabrir as portas da antiga Escola Normal Santa Rita de Cássia, onde atuei por dois anos como professora de Metodologia Escolar, repassando o que aprendi em meu curso Normal. Foi um tempo de muito trabalho, de muito aprendizado...
A maior recompensa de experimentar as coisa novas que a vida nos oferece é a expectativa de realizar tudo com acerto. E isso me fez despertar o desejo de convenientemente me preparar para uma nova fase de minha vida profissional. O que ocorreria algum tempo depois.
Fatos marcantes- O primeiro aconteceu em 1955 no grupo escolar Eugênio Jardim e teve repercussão anos depois em Brasília, em 2011. Certo dia, Professora Dayse, a diretora, e eu recebemos um garoto de uns treze anos e um recado do meu antigo professor do Ginásio, Dr Paranayba Piraptinga Santanna. No recado constava um pedido: O que podíamos fazer pelo garoto, mal chegado da roça, querendo estudar no Ginásio, sem ter os devidos comprovantes de ingresso, isto é, documentos que lhe garantiriam acesso ao estabelecimento de ensino. Pois bem, Dayse e eu nem titubeamos. Aplicamos-lhe uma prova escrita e outra oral, ambas de conteúdo abrangente do currículo escolar vigente e conforme o famoso Admissão ao Ginásio exigia. E o rapazinho se saiu muito bem. Sinal de que a professora do interior, chamada Aurora, trabalhara bem. Ea força do "Querer é Poder" agia em favor dos desejos do garoto. Foi assim que Juvenal Antunes Pereira ingressou no Curso Básico de Contabilidade do Ginásio Martins Borges e nunca mais parou...
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Juvenal na Academia |
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Juvenal recebendo o galardão acadêmico |
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Juvenal- escritor |
Em 1956, deixei o jovem Juvenal como estudante do Martins Borges e nunca mais o encontrei. Somente em 2011, conforme mostro nas fotos desta página: na dedicatória de seu livro
Coletânia de Textos Esparsos, sobre política, cultura, sociedade, os Maçons, insatisfações do povo e a realidade da vida. E há outros livros, outros trabalhos;
recebendo o galardão de minhas mãos na noite de sua posse na Academia de Letras de Brasília; no seu discurso de posse quando se referiu a mim e me convidou para lhe colocar o galardão acadêmico e posando com minha família.
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Juvenal e minha família |
O menino do interior, o soldado, o maçom, o magistrado, o acadêmico livre pensador, tornou-se escritor de textos elucidativos e pedagógicos. Saindo do ginásio, ingressou na
EsSA-Escola de Sargento das Armas, em Três Corações. Foi militar, portanto. Formou-se como advogado e foi procurador do Distrito Federal, além de ser diplomado pela Escola Superior de Guerra. Na Maçonaria, exerceu e exerce ainda cargos importantes e por aí vai.. Acredito que tenha realizado tudo o que desejava...
Em seu discurso de posse, Juvenal fez referência a sua primeira mestra Aurora e não se esqueceu do trio, Dr Paranayba, professoras Dayse e Glória, os responsáveis pela abertura do caminho que iria trilhar. Na minha vida de Professora, tal fato representa um diferencial marcante. Feliz é o mestre que estende a mão, que inicia um diálogo e encaminha alguém para a aventura da vida...
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Profa. Teca |
Outros fatos marcantes estão registrados no velho álbum que agora pertence ao Colégio Estadual Eugênio Jardim. Vamos a eles!
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Participação da escola aos desfiles cívicos de Sete de Setembro e Cinco de Agosto, respectivamente Independência |
Profa. Dalva Leão |
do Brasil e Aniversário de Rio Verde.
- Espírito cívico e o social eram trabalhados ao mesmo tempo nos eventos realizados no âmbito da escola, por exemplo, Concurso da Rainha Infantil da Escola. As candidatas eram crianças da sociedade ou pertenciam à comunidade escolar. Tenho lembranças registradas do ano 1954, registradas no Velho Álbum. Candidatas: Luisinha, filha de Carlos e Zibém Pimentel; Lucy Marques, irmã de Lygia Marques, minha ex-aluna; Vera Lúcia, sobrinha de Vivida Ferreira; e Clarice, filha de Juventino Ferreira de Castro (seu Fiúco) e Madalena Ferreira de Castro.
Clarice foi a vitoriosa. Por onde andam as garotas daquele concurso, tão lindo, que realizamos no Grupo Escolar Eugênio Jardim? Que o tempo possa nos mostrar pessoas felizes e realizadas na vida! |
Clarice, a vitoriosa. |
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Luisinha |
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Clarice |
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Lucy |
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Vera Lúcia |
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Outro fato marcante que será sempre lembrado :
a imponência do prédio do Grupo Escolar Eugênio Jardim que ficava na rua Rui Barbosa. Hoje, já completamente demolido e reconstruído, obedecendo às imposições do progresso: abriga parte da UNIRV- Universidade de Rio Verde. Entretanto, suas salas de aula abrigaram um número incontável de pessoas, crianças e adultos, que se fizeram na vida.
Dos janelões frontais descortinava-se um mundo que sabíamos imenso e que queríamos alcançar, uns (nós), pela força do nosso trabalho; outros, pela força que a instrução e a educação podem oferecer. Por que Eugênio Jardim? O nome foi dado em homenagem ao brasileiro, nascido na cidade de Goiás, 6 de outubro de 1858 e que faleceu em 1926: Eugênio Rodrigues Jardim. Militar da Arma Cavalaria e político que governou o Estado de Goiás. Construiu estradas, inaugurou fábricas de tecidos, além de 125 grupos escolares por todo o Estado, um deles em Rio Verde. E muitas coisas a mais. O antigo Grupo Escolar hoje Colégio Estadual Eugênio Jardim faz jus ao nome que tem.
-Mais um fato inesquecível- este aconteceu no Rio de Janeiro, mas repercutiu pelo Brasil inteiro e pelo mundo-A morte do presidente Getúlio Vargas, no dia 24 de agosto de 1954. Em Rio Verde, já era professora no Martins Borges e estávamos em sala de aula, quando a notícia nos chegou, via rádio, edição extra do Repórter Esso: Morte do Presidente, suicidou-se com um tiro no peito! A mídia da época era esta: rádio, jornais que chegavam com atraso, revista O Cruzeiro com as reportagens. E fomos tomados pela emoção ouvindo a leitura da Carta Testamento, mensagem da despedida de Getúlio, que em certo trecho dizia: " Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida... Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História." As notícias veiculadas pelas rádios chocaram a nós e ao país inteiro. Confusão! Tristeza! Não sabíamos de imediato o que estava por vir e o jeito foi esperar pelos acontecimentos. Hoje eu penso que a carta- testamento não é um lamento, mas um manifesto político . Ela não deixava dúvida como o gesto do presidente deveria ser entendido: reação aos golpistas e uma sinalização para o Brasil encontrar-se com sua soberania, com o desenvolvimento e com o equilíbrio social. Afinal, Getúlio cumpriu o que havia prometido ao país dias antes. Eleito pelo povo, só sairia morto do palácio do Catete.
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Cáceres-2º BLFRON. |
E a minha história não pode parar - Chegou o ano 1956! Em julho, casei-me e fui morar em Cáceres- Mato Grosso. Uma cidade às margens do Rio Paraguai, na microrregião do Alto Pantanal, sendo uma das principais cidades. Faz fronteira com a Bolívia. Destaca-se no turismo por causa do Rio Paraguai e afluentes, que apresentam grande potencial de pesca em evento mundial de Pesca Esportiva em águas fluviais. É sede de um Batalhão de Fronteiras, de responsabilidade do Exército Brasileiro, o 2º BL FRON, onde o Tibúrcio foi servir como Sargento, recém saído da
EsSA-
Escola de Sargento das Armas. E recém casado. O batalhão era comandado pelo Cel. Demóstenes Américo da Silva.
Na foto acima, cinquenta anos depois, Tibúrcio já oficial da reserva no posto de Ten. Coronel (ele faleceu no posto General de Brigada), retorna aos portões de entrada, relembrando o dia de sua chegada ali.
O batalhão de fronteira tem como objetivo central preservar as fronteiras do país. Cáceres tem uma área fronteiriça muito grande e possuía muitos distritos na área. Alguns muito distantes. Criou-se, então, destacamento nos pontos estratégicos. Destacamento, no meio militar, é uma parte de sua organização principal para cumprir uma missão em outra área, com efetivo reduzido, conforme exija a situação. Assim, eu me lembro de destacamento nos distritos cacerenses de Fortuna, Casalvasco, Corixa, Porto Esperidião, antes chamado Salitre, às margens do Rio Jauru, e outros.
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Quartel e meu lar |
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Porto Esperidião-ano1957 |
Permaneci em Cáceres por pouco tempo. Isto porque o Tiba fora convidado pelo Cel Demóstenes a comandar o Destacamento de Porto Esperidião. E assim, no início de 1957, uma nova aventura já estava desenhada para mim e Tiba. Ele, o comandante, e eu, a professora já nomeada pela Secretaria de Educação de Mato Grosso. Senti-me como uma desbravadora pelas circunstâncias inusitadas que tive de enfrentar e viver. Vejamos as fotos: A casa de duas janelas, à esquerda era um posto dos correios e residência do agente, sr. Moisés. Ficava próximo a ponte recém construída do Rio Jauru. E fora ali o posto telegráfico construído pelo Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon em 1906, dando origens ao povoado.
A foto abaixo, mostra a minha rua, o prédio do quartel e uma casinha branca, anexa, residência de um dos soldados da tropa. Frente ao quartel, onde são vistas estacas de cerquinhas, uma praça. E aqui à direita👆, o prédio do destacamento, ao mesmo tempo, quartel e o meu lar. Construção de madeira na parte superior, quatro cômodos e varanda em volta, e um sótão. Este sótão, conforme pude apurar, era casa de rádio dos militares, no tempo da última guerra. Embaixo, parte de alvenaria. Subindo a escada lateral, onde eu e Tiba estamos, está a cozinha; e atrás, não se vê na foto, o banheiro. Essa parte ficava aquém da varanda que circundava os quatro cômodos centrais. O lugarejo era abastecido com água do Rio Jauru, carregada pelos moradores ou por transporte em carroça-pipa, caso do quartel. Energia elétrica era fornecida pelos motores do acampamento do Departamento de Estradas e Rodagens com sede ali, atrás das dependências do quartel
A escola situava-se pertinho do quartel, em uma rua lateral. Não tenho fotos, infelizmente...Prédio de alvenaria, um salão grande, com carteiras espalhadas, um velho |
Eu e Tiba na ponte R. Jauru |
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Próximo ao quartel |
quadro negro e um pote de água com dois copos. De lado da parede central, um comodozinho com uma prateleira e alguns papéis. Banheiro para todos?! Não existia. No salão, encontrei um professor, sr. Francisco, e todos os alunos, juntos e misturados... muitos, não me lembro quantos. E vi aqueles rostinhos e olhos ávidos, quase todos amorenados, de um bio tipo diferente de brasileiros, esperançosos, querendo saber o que iria acontecer dali em diante... E eu também. Não receosa, aflita apenas, desejando encontrar um caminho no qual pudesse trilhar, e me realizar. E encontrei. Na pessoa do meu companheiro, Tibúrcio, um desbravador também, o sargento / comandante. Ele e sua tropa: um cabo e três soldados e o aval do coronel Demóstenes fizeram a diferença. Construíram dois banheiros, as famosas "casinhas" nos fundos da escola. Como disse, no povoado não havia água encanada; pintaram o prédio, repararam as velhas carteiras; adquirimos filtros no lugar dos potes e assim iniciamos. Com livros, lápis e cadernos que as crianças já vinham usando e o velho quadro na parede. Agora, com vontade e coragem de vencer. Criamos dois turnos na escola , o meu de manhã, alunos " mais adiantados" segundo escolheu o professor; o dele, à tarde, dos "iniciantes". Ah! os meus alunos! Quanta doçura, quanto carinho, quanta saudade só de me lembrar: alguns brasileiros, filhos de funcionários do Departamento de Estradas e Rodagem ou de família antiga da região; crianças paraguaias de uma família de comerciantes que se aportara no povoado; meninos e meninas bolivianas ou filhos de índio boliviano, a maioria. Uma clientela que preencheu a minha vida e me deu suporte para desenvolver o meu trabalho.
E assim iniciamos o nosso tempo escolar: a criançada, o professor Francisco e eu. A escola passou a ser o centro de várias atividades, além da algazarra de vozes estudando, brincando ou cantando. O salão de aula era o único salão do povoado. Por isso passou a ser ponto de encontros sociais dos pais e amigos à noite, nas festinhas musicais. A parceria com o quartel rendeu pontos positivos para eventos de civismo, esporte e até religioso. Vejamos!
Time de vôlei na pracinha frente ao prédio do quartel. |
Pais, amigos Tiba e eu |
E como curtíamos os encontros, ao cair da tarde! Muitas vezes com a presença da meninada da escola, aplaudindo os marmanjos ou fazendo aulas de ginástica. Veja a foto à direita: pais, amigos eu e Tiba. Éramos os jogadores principais. Aqui abaixo👇 a mocidade do time.
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Parte do time |
Nesta foto seguinte, à direita, 👉mostro um resultado fabuloso que alcancei com a turma. A primeira comunhão ou, como se diz hoje, Primeira Eucaristia deles, preparados por mim e pelo
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Turma da 1ª comunhão |
Professor Francisco.O Porto não tinha pároco nem uma igrejinha. O Padre era de Cáceres e só aparecia em datas festivas, como esta.👉
Veja, tudo ficou registrado para a posteridade que já chegou... Lamento não ter anotado o nome de todas as crianças. Uma criançada muito feliz aquele dia! Lembro-me de Betinha, Carlinhos, Melissa, Anita, Ana...Júlia, a menina paraguaia. Quem diria que eu pudesse esquecer os nomes de cada um?! Ô memória!...
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Bailado "Bolhas de Sabão" |
A emblemática foto aqui à esquerda 👈mostra o bailado apresentado no final do ano pelas minhas alunas bem caracterizadas nas vestes coloridas, confeccionadas para a ocasião e portando balões também coloridos, simulando bolhas de sabão. Eu conhecia a música e a coreografia, dos meus tempos de grupo escolar em Rio Verde. Cantar sozinha não é comigo, não tenho voz... sou
" Maria vai com as outras"... Porto Esperidião tinha um carpinteiro que tocava violão e cavaquinho e ele me salvou. Ensinei-lhe a canção e montamos o espetáculo que, no final, emocionou uma plateia de pais e outras pessoas convidadas. A canção de autoria de Rosalina Seganfredo, uma professora religiosa do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, da cidade de Farroupilha-RS, ano 1917, dizia mais ou menos assim:
"Como uma sombra perdida/ Que se desfaz na amplidão/ Tudo é efêmero na vida/ Como bolha de sabão"... E por aí vai... Não me lembro o restante. Mas me lembro de ter mostrado o que significava
amplidão, efêmero e efemeridade da vida para aquelas meninas que apenas desabrochavam para a vida. Quisera eu saber o paradeiro de cada uma ou de todos eles, alunos.
Por onde andam, o que fazem... Desejo muito que sejam pessoas realizadas, felizes.
Um fato marcante -Viajei várias vezes a Cáceres para resolver questões da escola com a administração municipal. Era complicado o trajeto. Saía de caminhão do Porto até um lugarejo chamado Campinas, onde se pegava uma balsa para descer o Rio Paraguai, cerca de 7 km até Cáceres. A balsa fazia uma viagem por dia, ida e volta. Não existia a ponte nova que hoje permite atravessar o Jauru dando acesso direto ao Porto. Certo dia, fui sem o Tiba fazer a travessia em Campinas. A balsa havia partido minutos antes. E agora? O que faço? Outra balsa só amanhã... E o meu compromisso não podia ser adiado. Eis que vejo descendo o rio uma canoa abarrotada de peles secas de animais e o barqueiro remando na popa. Não tive dúvidas: " Ei, você aí, vai até Cáceres?" Ele confirmou. "Pode me levar? Hoje não tem mais balsa"... "Sei não, dona. Tá cheio...A senhora não tem medo?" Medo? eu tinha, mas disse que não. O barqueiro se aproximou de onde eu me encontrava, arrumou as peles, desocupando um lugarzinho na proa para eu me sentar, ajudou-me a entrar na canoa, dizendo que eu não podia me mexer muito para não virar a embarcação. E lá fomos nós vencer os sete quilômetros com as remadas vigorosas do barqueiro e com a força das minhas preces silenciosas por causa do medo...Fico pensando hoje nesta aventura naquele rio , sem proteção nenhuma. Colete salva vida? Não existia...E eu não sabia nadar ainda... "coisa" que aprendi anos depois, quando me aposentei. Felizmente, deu tudo certo e hoje estou aqui, apenas contando para vocês.
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A turma em 1957 |
O tempo voa e a vida da gente não pode parar. E um novo desenho Deus fez para mim e Tiba, abençoando -nos com a chegada de nossa primeira filha em maio de 1958 . Ela nasceu em Rio Verde. E depois com a transferência dele para Goiás, após três anos servindo em fronteira.
Nas voltas que o mundo dá, pela segunda vez, voltei a Ipameri, sede do 6º Batalhão de Caçadores, agora pelos braços do meu Tiba e trazendo conosco nossa primeira filha.
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Foto -1- Porto Esperidião-ano 2006 |
Outro fato marcante- Eu e Tibúrcio, comemorando nossas Bodas de Ouro em 2006, visitamos Porto Esperidião. Que surpresa! Uma jovem cidade, desmembrada de Cáceres desde 1986, tornou-se um próspero município, rico na pecuária e mineração. Cidade cheia de verde, alegre, quase nada nos lembrava aqueles velhos tempos. Ainda bem, coisas do progresso... da Educação ... da cultura... do trabalho do povo.
Vejamos! Foto 1- Uma pracinha muito charmosa; foto 2- ponte sobre o Rio Jauru, dos primeiros tempos, hoje degradada. Em contrapartida, foto 3- o posto telegráfico restaurado, mostrando uma nova história do lugar.
E por fim, um reencontro muito feliz da professora com uma antiga aluna. A aluna é Anita da Silva Miranda (4ª garota, direita para esquerda na foto acima- A turma em 1957. Anita também se encontra na foto do bailado- Bolhas de Sabão. Hoje, é uma cidadã de Porto Esperidião, tem seu lar na Rua Nestor Cardoso, nº 229. Esta foto encerra um período feliz da minha vida. |
Foto nº 3-Antigo posto telegráfico |
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Foto nº2- Ponte degradada-Rio Jauru |
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Foto nº4-Anita e Glória-aluna e mestra |
E tudo o que vivi em Porto Esperidião, tudo o que pude fazer pela comunidade, tudo me dá a sensação de mais um dever cumprido. Não sei se fui exemplo para alguém, como a Professora Lígia Maria Coelho Rebêlo foi para mim. Isso não importa. O que mais importa é a gratidão a Deus por ter feito alguma coisa e me sentir realizada.
E a minha história não termina aqui e agora. Ela vai continuar. Até lá, então!
Postada por Glória Guimarães no dia 4 de setembro de 2021